sexta-feira, 15 de agosto de 2014

Esse post é uma continuação dos posts anteriores "Nossa discussão por e-mail: tentando deixar melhor para acompanhar" e "Ainda sobre o artigo do Ignatieff".

Em nossa troca de e-mails,eu termino fazendo uma pergunta (pergunta essa reproduzida logo no começo do texto que vem a seguir pelo usuário Rivotril). As ponderações dos outros usuários (o próprio Rivotril e o Masamune) me motivaram a continuar a conversa em forma de post. Segue. (Masa, me ajude, como eu altero a cor da fonte?)

Ponderação do Rivotril:

" Caião, se me permite vou tentar responder a sua questão:

ps: não tenho como opinar sobre essa dicotomia Conservador (defesa das decisões individuais) x Liberal (autoritarismo) tal qual é nos EUA/UK/CAN de acordo com vc, pois isso não tem sido foco de interesse meu nos ultimos tempos, mas lhe faço uma pergunta, baseada no que li de você (é uma dúvida mesmo, nao estou sendo ironico): como vc classificaria, dentre desse espectro, posições caras aos Conservadores como proibição irrestrita ao aborto e à união civil de pessoas do mesmo sexo - com seus direitos e deveres, criminalização do consumo, produção e comercialização de entorpecentes e icones religiosos presentes em instituições do Estado - por exemplo a frase In God we Trust na moeda americana ou o crucifixo adornando a sala do STF brasileiro?

Estou lendo um livro muito bom de um conservador clássico americano, Russel Kirk – A Política da Prudência que aborda o conservadorismo americano e tece criticas aos liberais de lá, os socialistas.
Para um conservador o teste do tempo é muito importante e caro, o conservador se vê como um anão em cima dos ombros de um gigante (a humanidade), por isso as mudanças devem ser feitas de forma lenta e com muita prudência para não se perder tudo o que foi construído pela civilização, ele vai defender a permanência das coisas boas, costumes e tradições.
O conservador valoriza muito a tradição, já que esta é muito importante para dialogar com o passado, nos dá uma referência de continuidade que devemos manter e será a base para as futuras gerações.
Para não me estender vou trazer uma citação de Eric Voeglin:
“A grande linha divisória da política moderna não é a que divide os totalitários de um lado e os liberais (libertários) do outro; ela se encontra entre todos os que creem em uma ordem moral transcendente, de um lado, e, do outro todos os que confundem a nossa existência efêmera de indivíduos com a origem e o fim de tudo”.
Portanto, para um conservador a presença de Deus e uma ordem moral, baseada em certos valores, é o que torna possível a vida em sociedade, dessa forma são contra as revoluções e promessas para mudar a sociedade. No caso do aborto, o conservador entende que a vida do feto não pertence a ele e sim a Deus, a racionalização (ah, mas ela foi estuprada e engravidou) não cola, porque o valor moral está acima desse argumento. A ordem vem antes da liberdade e o que mantém uma sociedade coesa é uma comunidade de almas, que une os mortos, os vivos e os ainda não nascidos.
Nesse caso a legalização do aborto pode quebrar um dos principais alicerces que trouxe a humanidade até aqui, a família, mas o mais importante é que essa liberdade não pertence ao homem e sim a Deus. Por isso, o conservador não vê na liberdade o maior valor em si, a ordem vem antes e o que pode bagunçar a ordem vai tirar a minha liberdade individual, o mesmo serve para a legalização das drogas, pode ter um efeito na sociedade muito mais maléfico do que no indivíduo. Já os libertários acreditam na máxima, o corpo é meu e eu posso me autodestruir.

Oco: Cara, não só permito você responder como fico muito feliz que o tenha feito. Por várias razões: enriquece a nossa conversa, faz com que eu conheça melhor as opiniões de um cara que eu muito admiro, permite que eu reflita sobre as minhas próprias linhas de pensamento etc etc etc. Então, obrigado por isso.

Algumas coisas que você disse me agradam muito. Gosto bastante dessa premissa do teste do tempo e vejo que eu tenho traços conservadores. Um dos filmes que eu mais gosto chama-se Manderlay (Lars Von Trier) e fala justamente do perigo das idéias "novas". Porém, se eu bem entendi sua argumentção, os Conservadores e os Liberais (na definição trazida pelo Masamune lá atrás) são iguaizinhos..ou seja, ambos os grupos acreditam que as suas convicções podem ser trasnformadas em regras sob as quais todos devam viver...a diferença está apenas no que os grupos acreditam.

E, se você me permite um desvio rápido de rota - na verdade, pegando carona em um desvio prévio seu - o conceito de deus e de ordem moral são extremamente controversos e sujeitos a aspectos culturais...extremamente...talvez não haja nada mais "irrespondível" do que a pergunta "o que é deus?"..teremos 7 bilhões de respostas (ou melhor, conjecturas)...e talvez todos nós conheçamos pessoas não-teístas que fazem muito melhor à sociedade do que teístas fervorosos. Portanto, na minha opinião, pautar qualquer argumentação sobre esse conceito é um erro de partida.

E por favor não me entenda mal...definitivamente não acho que seja o seu caso (pela sua inteligencia, pela sua amorosidade, pelo seu caráter - epa, tá ficando meio gay isso aqui...) mas, conhecendo o "serumanu" como nós conhecemos, será que esse tipo de argumentação não pode levar a fundamentalismos à lá TFP?

Não vou entrar aqui nos pontos específicos do aborto e drogas pois sinceramente não foi o meu objetivo...a ideia era apenas questionar a relação liberdade x igualdade sob o ponto de vista dos dois grupos.

"Considerações do Masamune:

Nada a opor ao que o Rivotril escreveu. Tentando responder ao Oco eu diria que o papel dos Conservadores é realmente frear as mudanças radicais. Fazer com que o debate seja extensivo e gradual.

Basicamente um Conservador diria a um Liberal:
- Me convença sobre seus argumentos sobre aborto, drogas, religião (ou qualquer outro tema). Pois enquanto eu não for convencido, não concordo em mudar leis somente porque parece certo ou progressista.

Aí vc pode dizer que ele não escutou os argumentos. Nesse caso ele não é um Conservador mas sim um Reacionário, que reage de forma negativa a qualquer mudança.


Nos EUA os progressistas vendem via imprensa a idéia de que os Conservadores não querem dialogar, quando em geral o que aconteceu é que não se chegou a um acordo. O problema é que na visão dos liberais de lá isso é uma derrota, pois a mudança não acontece, e isso não condiz com o que um progressista prega e acredita.

O progressista é revolucionário. Ele quer mudar o mundo e a sociedade de acordo com sua visão de futuro, de como as pessoas deveriam ser. O problema é que as pessoas teimam em continuar sendo...pessoas.

O progressista não acredita no processo democrático, ele tem pressa, e afinal de contas, ele sabe que está certo! A lentidão de ganhar eleições, convencer as pessoas, inclusive os adversários - que também são pessoas - o exaspera. Ele logo pensa em cortar caminho ( e umas cabeças ) e ir em frente.

As religiões e Deus existem há tanto tempo que vale a pena ter calma antes de decretar seu fim. Até hoje bilhões de pessoas são religiosas e se beneficiam disso. Quem dedicaria tempo e dinheiro para ir na Igreja se não achasse útil? Poucos países obrigam alguém a ser religioso, muito menos EUA/UK/CAN.

Dá pra se pensar...por que essa neura de querer combater a religião. Por que isso? Por que motivo ir lá e agredir pessoas que se reúnem voluntariamente para conversar e rezar?

Por que incomoda tanto o fato de ter um crucifixo no STF? As decisões ali são técnicas, e quando não são tão boas, a estrela vermelha tem atrapalhado bem mais que a cruz de madeira.

Houve época em que os Papas decidiam quem seria o rei da França por exemplo. Isso não acontece mais. No entanto, já tem gente querendo obrigar a Igreja a aceitar Padres mulheres. Ora, isso já não é querer interferir na crença alheia?

Acho que os Conservadores acreditam que os seres humanos tem um natureza comum. Valores que compartilhamos, que nos são caros. Coisas como família, vida, ordem e propriedade privada. O cristianismo defende alguns desses pontos e o alinhamento acaba sendo natural. Mas não é obrigatório, você vai encontrar Conservadores ateus e Progressistas católicos.

Acho que é por aí. Seguimos falando...

Oco: Gostei muito da sua explicação e principalmente da diferenciação entre Conservadores e Reacionários. E, mais uma vez, me identifiquei com os Conservadores (me mostre seus argumentos e me convença que mudar é melhor).

Quanto à religião: acho que aqui misturamos alhos com bugalhos. O que te motivou a perguntar "por que essa neura de combater a religião?" ?

Falando especificamente da minha pergunta e dos icones religiosos em ferramentas políticas (a moeda e o STF): eu acho isso exatamente "interferir na crença alheia". O Estado é de todos - cristãos, budistas, ateus etc etc etc. Por que diabos alguém teve o trabalho de colocar um símbolo cristão no STF? Que bem isso vem trazer? Nâo se trata de "acabar com a religião" e sim de sinalizar à sociedade "esse local é laico" e, eu acho, que é um sinal muitissimo importante.

Cadê a breja?

Um comentário:

Masamune disse...

Oco, pra mudar a cor da fonte tem uma barra de formatação no alto quando vc estiver escrevendo / editando a postagem.

Vamos ao texto.

Pelo que sei os liberais acreditam na liberdade total do indivíduo e essa é uma enorme diferença com os Conservadores. Sob esse aspecto os liberais jamais obrigariam outros a viver como eles acreditam, seria cada um por si mesmo. Os Conservadores não, eles acreditam num conjunto de regras básicas de convivência para manter a ordem como bem colocado pelo Rivotril.

Eu já fui mais contra religiões. Cresci cantando "Igreja" dos Titãs e cheguei a me policiar para não dizer frases como "Meu Deus" ou " Nossa Senhora". A maturidade e algumas leituras mudaram isso. É mais uma postagem que vou ficar devendo pois ficaria muito longo aqui.

Quanto ao dinheiro e o STF, os símbolos estão lá porque o Brasil e os EUA são predominantemente cristãos. Se vc for para o Japão irá ver um monte de templos xintoístas e provavelmente elementos desta religião serão visíveis em diversos locais.

O dinheiro não vale mais ou menos pela frase que está ali. Não acredito que ofenda alguém. Acho que a menção a Deus traz muito mais mensagens positivas que negativas, não? Portanto na ordem de prioridades do monte de coisas que temos pra discutir no país, a frase em questão me parece longe de estar no início da lista.

O STF estã lá para garantir o cumprimento da constituição. Nunca escutei sobre um caso em que os ministros desrespeitaram a constituição para seguir a Bíblia. Portanto a cruz está lá como enfeite, algo que faz bem pra muita gente diga-se de passagem.

No entanto conhecemos decisões do STF que afrontam a constituição por influência da estrela vermelha. E outras que também afrontam a Carta Magna para satisfazer a pauta progressista.

Novamente falando de prioridades, acho que me preocupa mais quando o STF não cumpre seu papel de defender a constituição do que o crucifixo na parede.

Fui.