quarta-feira, 6 de agosto de 2014

Ainda sobre o artigo do Ignatieff

Nessa parte vou entrar nos seus comentários sobre a minha análise inicial do artigo, onde podemos discutir o papel do Estado. É uma discussão meio inútil mas como essa é nossa mesa de bar virtual vamos nessa !!

Oco em Preto e Masa em Azul

2) Suas análises

Eu discordo de algumas afirmações que você traz no e-mail e vou-me focar apenas nas que eu acho mais significativas como "taxar é coerção" e "eu não gosto do Estado como solucionador de problemas e regulador da sociedade." Vou explicar porque:

a) Eu vejo que o principal papel dos governos, além de assegurar a integridade física e patrimonial dos cidadãos, é fomentar e garantir políticas que incentivem o maior "empoderamento" das pessoas possível, ou seja, que o individuo, cada vez mais, seja capaz de decidir e implementar aquilo que ele pense ser o melhor para a sua vida (sem invadir o principio da alteridade).

Em princípio concordo. A discussão é como dar esse empoderamento e as consequencias indesejadas de políticas de Estado nesse sentido.


b) Se desenharmos uma linha reta com todas as possibilidade políticas - colocando no extremo direito da linha a ausencia completa de Estado - o anarquismo, passando pelo minarquismo e seu Estado Minimo, caminhando para o centro, atravessando para esquerda com a Social-Democracia até chegar no extremo esquerdo com os Estados totalitários, como o Nazismo e o Comunismo, perceberemos que há varias e várias possibilidades de arranjos sociais.Tal qual quase tudo na vida, me parece que a virtude está em locais no meio do caminho. Me preocupa a visão "8 ou 80".

O extremo direito - anarquismo ou minarquismo - me parece uma bobagem teórica. Já a extrema esquerda é uma realidade de nosso século responsável por milhões de mortos. Há essa diferença entre os extremos.

Ficou faltando na sua linha o que estaria na Direita perto do Centro, vc pulou essa parte. Nada da esquerda me agrada embora a Social-Democracia seja claramente uma opção melhor em relação ao que temos. 

Será que o próprio fato de vc não ter mencionado o que estaria na centro-direita já não mostra como estamos demasiadamente para a esquerda? Posso concordar que os extremos estão fora de questão, mas não estou seguro se o meio é a melhor opção. Eu ficaria na Direita mesmo, perto do Centro provavelmente.


c) Há problemas e problemas. Dependendo da sua natureza e do que almejamos conseguir (aqui retomo o objetivo escrito na aliena a), determinado ente é mais competente para lidar com ele. Por mais paradoxal que possa parecer, na minha visão - e parece que na visão de grande parte da humanidade, haja vista que não existe nenhuma sociedade que funcione em Estado Mínimo (talvez algumas experiencias quase laboratoriais como Hong Kong e Panamá) - o Estado é o ente mais competente em garantir que a livre concorrencia ocorra e que o mercado produza mais coisas boas (riqueza crescente, geração de empregos, inovações tecnologicas etc) do que coisas ruins (utilização desregrada de recursos finitos, piora da qualidade de vida das pessoas, crescente conflito de agente etc). O empresário e o executivo são feitos do mesmo material do líder totalitário psicopata: carbono, hidrogenio, nitrogenio, oxigenio, ambição, potencial de se corromper, de ser seduzido pelo poder e bla bla bla. Se o Estado deixar o barco correr solto sob a idéia de que a livre concorrencia ajusta as desconformidades, há o potencial de construirmos uma sociedade a lá Blade Runner ou Mad Max (ta bom, ta bom, um pouco de alarmismo aqui, mas só pra deixar o texto mais divertido...). Regulação e fiscalização competentes, eficazes e severas são necessárias para o bom funcionamento do mercado (apenas alguns exemplos de industrias que, se deixadas à base da "mao invisivel", podem destruir uma sociedade: madeireiras, petroliferas, geradoras de energia - principalmente termelétricas e nucleares, mineradoras, construtoras, bancos, farmaceuticas, empresas envolvidas no agronegócio, defensivos, biomedicina e genética - bom, you got the point)

Sem querer ser arrogante, mas acho que a humanidade ( e vc sorry) estão equivocados sobre o papel do Estado. A livre concorrência deve ser...LIVRE !! Sem coerção estatal ou com o mínimo possível. Muitos defendem que esse mínimo é a defesa da integridade humana e da propriedade. E só.

As regulações que começam com boas intenções tendem a ter consequencias indesejadas, terminando por reduzir a concorrência. Isso é o que a história mostra. Não há perfeição aqui no entanto. O livre mercado não garante a livre concorrência sempre, ele cria as condições para que o CONSUMIDOR decida o que vai comprar e não seja obrigado pelo GOVERNO a usar os Correios por exemplo.

Quanto aos cenários apocalípticos ( a diversão é boa mesmo) entramos na futurologia. Eu tendo a desconfiar de qualquer cenário extremamente negativo para a humanidade. Não faz sentido, já que as pessoas ( empresários incluídos) tendem a querer melhorar suas vidas. 

Foi assim que saímos das cavernas e chegamos num nível de desenvolvimento absurdamente alto. Foram pessoas querendo viver melhor. Eu e você vivemos com mais conforto que tinham os reis absolutistas franceses. Vivemos melhor que Julio César ! E os recursos materiais que nos permitem isso já existiam há 10,000 anos atrás. O silício é um material amplamente utilizado em computadores e abundante na Terra. Por quê não foi feito antes?

É o engenho humano que permitiu isso. É a liberdade de empreender, de criar, de cada ser humano que proporcionou isso. Não foi o Estado que criou a lâmpada, foi um HOMEM chamado Thomas Edison. 

Falando de apocalipse, a maior ameaça global até hoje foi a corrida nuclear entre EUA e URSS. Antes disso nunca houve um momento em que o mundo estivesse realmente ameaçado. Mas o problema ali seriam as armas nucleares em si ou a existência de dois ESTADOS tão grandes que tinham condições de acumular armas suficientes para destruir o mundo? E mesmo assim, apesar dos Estados, sobrevivemos.


c) Outro problema que o empresário nao tem competencia para resolver é a desigualdade de partida. Isso é um problema a ser combatido, na minha opinião, e cabe ao governo, pois é diretamente f (x) do "empoderamento".  E isso passa, além do fomento a geração de empregos tratado nas alineas anteriores, pela educação básica e pela saúde preventiva e ambulatorial. Não tenho opinião formada quanto ao como - pode ser a idéia dos cupons do Friedman, pode ser com atuação direta a lá Social-Democracia, não sei. Mas penso que é responsabilidade do Estado.

Educação básica me parece algo lógico. Embora existam discussões a respeito do modelo exato acho que a sociedade tem a ganhar com uma população basicamente educada. Saúde são outros quinhentos, acho que deveria ser privada, embora alguns países como Canadá consigam oferecer algo de qualidade razoável. Já quanto a fomento da geração de empregos, isso é papel das empresas, basta o Estado não se meter. Aqui não concordo contigo.

A desigualdade de partida sempre irá existir, as pessoas são diferentes. Além do que definir o que seria a igualdade de oportunidade me parece impossível. Novamente o foco na desigualdade não me parece o mais correto, acho melhor pensar em oferecer um patamar mínimo a todos,a educação básica vai nessa direção. Definir esse patamar também me parece muito difícil, mas considero mais possível.


d) Outra área que ao meu ver cabe ao Estado é Pesquisa e Desenvolvimento.

Não vejo porque. As maiores inovações da humanidade vieram de indivíduos e empresas. Pra que mexer no que funciona?


e) Também acho que o Estado possa promover políticas anticiclicas pontuais.

O problema das políticas pontuais é que elas tem uma mania irritante de tornarem-se permanentes. Vide as manobras anti-cíclicas da Dilmosa por aqui e do FED nos EUA.

Convivendo com crianças e vendo-as crescer comecei a pensar em uma analogia do crescimento delas com o de países. Quando uma criança está aprendendo a andar, ela cai às vezes. Quando começa a correr, os pais ( mais as mães) morrem de medo de que se machuquem. Quando escalam algum brinquedo, árvore ou muro é melhor nem olhar...

E as crianças também aprendem aos saltos. Quando começam a falar, é como se fosse do nada, não é algo gradual e suave. Muitas vezes elas ficam muito tempo no papá e mamã e de repente desatam a dizer frases completas. E não param mais no caso das minhas meninas...
Será que ao tentar suavizar os ciclos econômicos não perdemos o crescimento possível? Eu tenho medo ao ver minha filha dar um salto mortal, mas o que teria acontecido se o pai da Nadia Comaneci tivesse ficado com medo? 



f) Tudo isso, entre outros fatores, implica em manter certa estrutura estatal (além do já defendido pelos estado-minimalistas como segurança, defesa e judiciario). Alguém precisa pagar por isso, E esse alguém somos nós. 

É o tudo isso que me preocupa. Como a conta é nossa, quanto menor for melhor , certo?


g) Portanto, tomar recursos dos geradores de riqueza e aplica-los em iniciativas que visam a garantir sustentabilidade no longo prazo  e melhora na qualidade de vida é fundamental. Concordo em genero, numero e grau que o tamanho desse abocanhamento, como ele é feito (imposto sobre produção, renda ou consumo?) e a eficiencia da alocação são passiveis de interminaveis discussões. Sem estender muito o assunto e tentando ser pragmático, me parece que o modelo que mais se aproxima do que eu considero correto é o da Coréia do Sul com seus atuais 25% de tributação (bem acima dos < 10% defendidos pelos minarquistas).

Os minarquistas estão fora de questão pra mim. Nem entraria no mérito de valores no momento mas me contentaria com 25% flat para começar a conversar. Já no Brasil teremos aumento de impostos no ano que vem...



Cara, acho que é isso por ora.Te agradeço por ter lido o texto inicial e respondido substancialmente pois proporcionou que eu refletisse e me posicionasse. Gostei. 

Eu também agradeço bastante. Acho bem legal ter esse tipo de discussão, pode contar comigo. Você também me ajuda a refletir e avaliar.

2 comentários:

Rivotril disse...

Caião, se me permite vou tentar responder a sua questão:

ps: não tenho como opinar sobre essa dicotomia Conservador (defesa das decisões individuais) x Liberal (autoritarismo) tal qual é nos EUA/UK/CAN de acordo com vc, pois isso não tem sido foco de interesse meu nos ultimos tempos, mas lhe faço uma pergunta, baseada no que li de você (é uma dúvida mesmo, nao estou sendo ironico): como vc classificaria, dentre desse espectro, posições caras aos Conservadores como proibição irrestrita ao aborto e à união civil de pessoas do mesmo sexo - com seus direitos e deveres, criminalização do consumo, produção e comercialização de entorpecentes e icones religiosos presentes em instituições do Estado - por exemplo a frase In God we Trust na moeda americana ou o crucifixo adornando a sala do STF brasileiro?

Estou lendo um livro muito bom de um conservador clássico americano, Russel Kirk – A Política da Prudência que aborda o conservadorismo americano e tece criticas aos liberais de lá, os socialistas.
Para um conservador o teste do tempo é muito importante e caro, o conservador se vê como um anão em cima dos ombros de um gigante (a humanidade), por isso as mudanças devem ser feitas de forma lenta e com muita prudência para não se perder tudo o que foi construído pela civilização, ele vai defender a permanência das coisas boas, costumes e tradições.
O conservador valoriza muito a tradição, já que esta é muito importante para dialogar com o passado, nos dá uma referência de continuidade que devemos manter e será a base para as futuras gerações.
Para não me estender vou trazer uma citação de Eric Voeglin:
“A grande linha divisória da política moderna não é a que divide os totalitários de um lado e os liberais (libertários) do outro; ela se encontra entre todos os que creem em uma ordem moral transcendente, de um lado, e, do outro todos os que confundem a nossa existência efêmera de indivíduos com a origem e o fim de tudo”.
Portanto, para um conservador a presença de Deus e uma ordem moral, baseada em certos valores, é o que torna possível a vida em sociedade, dessa forma são contra as revoluções e promessas para mudar a sociedade. No caso do aborto, o conservador entende que a vida do feto não pertence a ele e sim a Deus, a racionalização (ah, mas ela foi estuprada e engravidou) não cola, porque o valor moral está acima desse argumento. A ordem vem antes da liberdade e o que mantém uma sociedade coesa é uma comunidade de almas, que une os mortos, os vivos e os ainda não nascidos.
Nesse caso a legalização do aborto pode quebrar um dos principais alicerces que trouxe a humanidade até aqui, a família, mas o mais importante é que essa liberdade não pertence ao homem e sim a Deus. Por isso, o conservador não vê na liberdade o maior valor em si, a ordem vem antes e o que pode bagunçar a ordem vai tirar a minha liberdade individual, o mesmo serve para a legalização das drogas, pode ter um efeito na sociedade muito mais maléfico do que no indivíduo. Já os libertários acreditam na máxima, o corpo é meu e eu posso me autodestruir.

Masamune disse...

Nada a opor ao que o Rivotril escreveu. Tentando responder ao Oco eu diria que o papel dos Conservadores é realmente frear as mudanças radicais. Fazer com que o debate seja extensivo e gradual.

Basicamente um Conservador diria a um Liberal:
- Me convença sobre seus argumentos sobre aborto, drogas, religião (ou qualquer outro tema). Pois enquanto eu não for convencido, não concordo em mudar leis somente porque parece certo ou progressista.

Aí vc pode dizer que ele não escutou os argumentos. Nesse caso ele não é um Conservador mas sim um Reacionário, que reage de forma negativa a qualquer mudança.


Nos EUA os progressistas vendem via imprensa a idéia de que os Conservadores não querem dialogar, quando em geral o que aconteceu é que não se chegou a um acordo. O problema é que na visão dos liberais de lá isso é uma derrota, pois a mudança não acontece, e isso não condiz com o que um progressista prega e acredita.

O progressista é revolucionário. Ele quer mudar o mundo e a sociedade de acordo com sua visão de futuro, de como as pessoas deveriam ser. O problema é que as pessoas teimam em continuar sendo...pessoas.

O progressista não acredita no processo democrático, ele tem pressa, e afinal de contas, ele sabe que está certo! A lentidão de ganhar eleições, convencer as pessoas, inclusive os adversários - que também são pessoas - o exaspera. Ele logo pensa em cortar caminho ( e umas cabeças ) e ir em frente.

As religiões e Deus existem há tanto tempo que vale a pena ter calma antes de decretar seu fim. Até hoje bilhões de pessoas são religiosas e se beneficiam disso. Quem dedicaria tempo e dinheiro para ir na Igreja se não achasse útil? Poucos países obrigam alguém a ser religioso, muito menos EUA/UK/CAN.

Dá pra se pensar...por que essa neura de querer combater a religião. Por que isso? Por que motivo ir lá e agredir pessoas que se reúnem voluntariamente para conversar e rezar?

Por que incomoda tanto o fato de ter um crucifixo no STF? As decisões ali são técnicas, e quando não são tão boas, a estrela vermelha tem atrapalhado bem mais que a cruz de madeira.

Houve época em que os Papas decidiam quem seria o rei da França por exemplo. Isso não acontece mais. No entanto, já tem gente querendo obrigar a Igreja a aceitar Padres mulheres. Ora, isso já não é querer interferir na crença alheia?

Acho que os Conservadores acreditam que os seres humanos tem um natureza comum. Valores que compartilhamos, que nos são caros. Coisas como família, vida, ordem e propriedade privada. O cristianismo defende alguns desses pontos e o alinhamento acaba sendo natural. Mas não é obrigatório, você vai encontrar Conservadores ateus e Progressistas católicos.

Acho que é por aí. Seguimos falando...