sexta-feira, 15 de agosto de 2014

Esse post é uma continuação dos posts anteriores "Nossa discussão por e-mail: tentando deixar melhor para acompanhar" e "Ainda sobre o artigo do Ignatieff".

Em nossa troca de e-mails,eu termino fazendo uma pergunta (pergunta essa reproduzida logo no começo do texto que vem a seguir pelo usuário Rivotril). As ponderações dos outros usuários (o próprio Rivotril e o Masamune) me motivaram a continuar a conversa em forma de post. Segue. (Masa, me ajude, como eu altero a cor da fonte?)

Ponderação do Rivotril:

" Caião, se me permite vou tentar responder a sua questão:

ps: não tenho como opinar sobre essa dicotomia Conservador (defesa das decisões individuais) x Liberal (autoritarismo) tal qual é nos EUA/UK/CAN de acordo com vc, pois isso não tem sido foco de interesse meu nos ultimos tempos, mas lhe faço uma pergunta, baseada no que li de você (é uma dúvida mesmo, nao estou sendo ironico): como vc classificaria, dentre desse espectro, posições caras aos Conservadores como proibição irrestrita ao aborto e à união civil de pessoas do mesmo sexo - com seus direitos e deveres, criminalização do consumo, produção e comercialização de entorpecentes e icones religiosos presentes em instituições do Estado - por exemplo a frase In God we Trust na moeda americana ou o crucifixo adornando a sala do STF brasileiro?

Estou lendo um livro muito bom de um conservador clássico americano, Russel Kirk – A Política da Prudência que aborda o conservadorismo americano e tece criticas aos liberais de lá, os socialistas.
Para um conservador o teste do tempo é muito importante e caro, o conservador se vê como um anão em cima dos ombros de um gigante (a humanidade), por isso as mudanças devem ser feitas de forma lenta e com muita prudência para não se perder tudo o que foi construído pela civilização, ele vai defender a permanência das coisas boas, costumes e tradições.
O conservador valoriza muito a tradição, já que esta é muito importante para dialogar com o passado, nos dá uma referência de continuidade que devemos manter e será a base para as futuras gerações.
Para não me estender vou trazer uma citação de Eric Voeglin:
“A grande linha divisória da política moderna não é a que divide os totalitários de um lado e os liberais (libertários) do outro; ela se encontra entre todos os que creem em uma ordem moral transcendente, de um lado, e, do outro todos os que confundem a nossa existência efêmera de indivíduos com a origem e o fim de tudo”.
Portanto, para um conservador a presença de Deus e uma ordem moral, baseada em certos valores, é o que torna possível a vida em sociedade, dessa forma são contra as revoluções e promessas para mudar a sociedade. No caso do aborto, o conservador entende que a vida do feto não pertence a ele e sim a Deus, a racionalização (ah, mas ela foi estuprada e engravidou) não cola, porque o valor moral está acima desse argumento. A ordem vem antes da liberdade e o que mantém uma sociedade coesa é uma comunidade de almas, que une os mortos, os vivos e os ainda não nascidos.
Nesse caso a legalização do aborto pode quebrar um dos principais alicerces que trouxe a humanidade até aqui, a família, mas o mais importante é que essa liberdade não pertence ao homem e sim a Deus. Por isso, o conservador não vê na liberdade o maior valor em si, a ordem vem antes e o que pode bagunçar a ordem vai tirar a minha liberdade individual, o mesmo serve para a legalização das drogas, pode ter um efeito na sociedade muito mais maléfico do que no indivíduo. Já os libertários acreditam na máxima, o corpo é meu e eu posso me autodestruir.

Oco: Cara, não só permito você responder como fico muito feliz que o tenha feito. Por várias razões: enriquece a nossa conversa, faz com que eu conheça melhor as opiniões de um cara que eu muito admiro, permite que eu reflita sobre as minhas próprias linhas de pensamento etc etc etc. Então, obrigado por isso.

Algumas coisas que você disse me agradam muito. Gosto bastante dessa premissa do teste do tempo e vejo que eu tenho traços conservadores. Um dos filmes que eu mais gosto chama-se Manderlay (Lars Von Trier) e fala justamente do perigo das idéias "novas". Porém, se eu bem entendi sua argumentção, os Conservadores e os Liberais (na definição trazida pelo Masamune lá atrás) são iguaizinhos..ou seja, ambos os grupos acreditam que as suas convicções podem ser trasnformadas em regras sob as quais todos devam viver...a diferença está apenas no que os grupos acreditam.

E, se você me permite um desvio rápido de rota - na verdade, pegando carona em um desvio prévio seu - o conceito de deus e de ordem moral são extremamente controversos e sujeitos a aspectos culturais...extremamente...talvez não haja nada mais "irrespondível" do que a pergunta "o que é deus?"..teremos 7 bilhões de respostas (ou melhor, conjecturas)...e talvez todos nós conheçamos pessoas não-teístas que fazem muito melhor à sociedade do que teístas fervorosos. Portanto, na minha opinião, pautar qualquer argumentação sobre esse conceito é um erro de partida.

E por favor não me entenda mal...definitivamente não acho que seja o seu caso (pela sua inteligencia, pela sua amorosidade, pelo seu caráter - epa, tá ficando meio gay isso aqui...) mas, conhecendo o "serumanu" como nós conhecemos, será que esse tipo de argumentação não pode levar a fundamentalismos à lá TFP?

Não vou entrar aqui nos pontos específicos do aborto e drogas pois sinceramente não foi o meu objetivo...a ideia era apenas questionar a relação liberdade x igualdade sob o ponto de vista dos dois grupos.

"Considerações do Masamune:

Nada a opor ao que o Rivotril escreveu. Tentando responder ao Oco eu diria que o papel dos Conservadores é realmente frear as mudanças radicais. Fazer com que o debate seja extensivo e gradual.

Basicamente um Conservador diria a um Liberal:
- Me convença sobre seus argumentos sobre aborto, drogas, religião (ou qualquer outro tema). Pois enquanto eu não for convencido, não concordo em mudar leis somente porque parece certo ou progressista.

Aí vc pode dizer que ele não escutou os argumentos. Nesse caso ele não é um Conservador mas sim um Reacionário, que reage de forma negativa a qualquer mudança.


Nos EUA os progressistas vendem via imprensa a idéia de que os Conservadores não querem dialogar, quando em geral o que aconteceu é que não se chegou a um acordo. O problema é que na visão dos liberais de lá isso é uma derrota, pois a mudança não acontece, e isso não condiz com o que um progressista prega e acredita.

O progressista é revolucionário. Ele quer mudar o mundo e a sociedade de acordo com sua visão de futuro, de como as pessoas deveriam ser. O problema é que as pessoas teimam em continuar sendo...pessoas.

O progressista não acredita no processo democrático, ele tem pressa, e afinal de contas, ele sabe que está certo! A lentidão de ganhar eleições, convencer as pessoas, inclusive os adversários - que também são pessoas - o exaspera. Ele logo pensa em cortar caminho ( e umas cabeças ) e ir em frente.

As religiões e Deus existem há tanto tempo que vale a pena ter calma antes de decretar seu fim. Até hoje bilhões de pessoas são religiosas e se beneficiam disso. Quem dedicaria tempo e dinheiro para ir na Igreja se não achasse útil? Poucos países obrigam alguém a ser religioso, muito menos EUA/UK/CAN.

Dá pra se pensar...por que essa neura de querer combater a religião. Por que isso? Por que motivo ir lá e agredir pessoas que se reúnem voluntariamente para conversar e rezar?

Por que incomoda tanto o fato de ter um crucifixo no STF? As decisões ali são técnicas, e quando não são tão boas, a estrela vermelha tem atrapalhado bem mais que a cruz de madeira.

Houve época em que os Papas decidiam quem seria o rei da França por exemplo. Isso não acontece mais. No entanto, já tem gente querendo obrigar a Igreja a aceitar Padres mulheres. Ora, isso já não é querer interferir na crença alheia?

Acho que os Conservadores acreditam que os seres humanos tem um natureza comum. Valores que compartilhamos, que nos são caros. Coisas como família, vida, ordem e propriedade privada. O cristianismo defende alguns desses pontos e o alinhamento acaba sendo natural. Mas não é obrigatório, você vai encontrar Conservadores ateus e Progressistas católicos.

Acho que é por aí. Seguimos falando...

Oco: Gostei muito da sua explicação e principalmente da diferenciação entre Conservadores e Reacionários. E, mais uma vez, me identifiquei com os Conservadores (me mostre seus argumentos e me convença que mudar é melhor).

Quanto à religião: acho que aqui misturamos alhos com bugalhos. O que te motivou a perguntar "por que essa neura de combater a religião?" ?

Falando especificamente da minha pergunta e dos icones religiosos em ferramentas políticas (a moeda e o STF): eu acho isso exatamente "interferir na crença alheia". O Estado é de todos - cristãos, budistas, ateus etc etc etc. Por que diabos alguém teve o trabalho de colocar um símbolo cristão no STF? Que bem isso vem trazer? Nâo se trata de "acabar com a religião" e sim de sinalizar à sociedade "esse local é laico" e, eu acho, que é um sinal muitissimo importante.

Cadê a breja?

quarta-feira, 6 de agosto de 2014

Matemática e Ciência no experimento das borboletas

Pensem no seguinte experimento.

Uma criança está brincando com uma borboleta que está sobre a mesa. Quando a criança bate palmas a borboleta sai voando. A criança então arranca as asas da borboleta e repete a experiência. Ao bater palmas a borboleta não voa mais.

Conclusâo: As borboletas escutam com as asas !

Embora absurda, matematicamente a conclusão está correta. E cientificamente também, pois se você repetir o experimento os resultados serão os mesmos. Se a experiência for feita em outro continente, o resultado será idêntico.

Escutei essa história em um podcast muito bom, onde um especialista em matemática usa o exemplo para ilustrar como a matemática é muito boa para algumas coisas e péssima para outras. Segundo ele a matemática que usamos é uma linguagem excelente para construir pontes e edifícios, mas quando usada em outras áreas pode atrapalhar mais que ajudar. Como exemplo de outra linguagem cita a poesia de Drummond, perfeita para falar de amor e sentimentos.

A matemática seria boa para descrever relações entre coisas, materiais, objetos sem vontade própria. Não se aplica tão bem às relações entre pessoas ou seres dotados de intenção própria. Repare que estamos falando de relações, não dos seres ou objetos em si. É claro que a matemática é ótima para descrever a altura das pessoas ou o peso dos animais. Não se trata disso. O problema é nas relações.

Um engenheiro usa a matemática para descrever como uma viga de concreto irá interagir com a carga aplicada em um viaduto quando os carros passam sobre ele. Se fizer as contas direito, estimando o fluxo máximo de carros, o peso destes, pode calcular quanto aço colocar nas vigas para que o viaduto não desabe.

Só que a matemática tem seus adoradores, e eles tentam enfiar matemática em todo lugar. Experimente conversar com um engenheiro. O cérebro deles se torna matemático, em geral pensam de um jeito bem quadrado não é raro que sejam bem pouco aptos socialmente. Basta ver a quantidade de musas nas festas da Poli-USP.

Muitos economistas são assim. O mainstream da Economia, iniciado por Keynes e um pouco despiorado por Friedman, é predominantemente matemático. Na USP por exemplo se estudava Econometria, que é um amontoado de fórmulas, modelos e regressões matemáticas. Nem queira saber o que são regressões...

Só que embora a matemática seja útil para descrever alguns aspectos da Economia, ela distorce muito as coisas quando é usada para também explicar os acontecimentos econômicos. A Economia é resultado de interações humanas, são muitas pessoas interagindo e tomando muitíssimas decisões por dia. Usar raciocínios matemáticos para explicar relações humanas é um convite ao desastre. E é exatamente isso que está sendo feito pelos maiores especialistas econômicos.

Votando ao nosso experimento, para que a conclusão fosse aquele absurdo, a criança em questão não poderia saber nada sobre borboletas e outros animais com asas, nem conhecer o funcionamento do ouvido. Se ela fosse superdotada em matemática e aluna do Kumon ela poderia fazer essa confusão. Agora imagine que nossos economistas sejam asssim, conhecendo bem pouco sobre como as pessoas realmente pensam e tendo sido alunos do Kumon Keynesiano?

Ainda sobre o artigo do Ignatieff

Nessa parte vou entrar nos seus comentários sobre a minha análise inicial do artigo, onde podemos discutir o papel do Estado. É uma discussão meio inútil mas como essa é nossa mesa de bar virtual vamos nessa !!

Oco em Preto e Masa em Azul

2) Suas análises

Eu discordo de algumas afirmações que você traz no e-mail e vou-me focar apenas nas que eu acho mais significativas como "taxar é coerção" e "eu não gosto do Estado como solucionador de problemas e regulador da sociedade." Vou explicar porque:

a) Eu vejo que o principal papel dos governos, além de assegurar a integridade física e patrimonial dos cidadãos, é fomentar e garantir políticas que incentivem o maior "empoderamento" das pessoas possível, ou seja, que o individuo, cada vez mais, seja capaz de decidir e implementar aquilo que ele pense ser o melhor para a sua vida (sem invadir o principio da alteridade).

Em princípio concordo. A discussão é como dar esse empoderamento e as consequencias indesejadas de políticas de Estado nesse sentido.


b) Se desenharmos uma linha reta com todas as possibilidade políticas - colocando no extremo direito da linha a ausencia completa de Estado - o anarquismo, passando pelo minarquismo e seu Estado Minimo, caminhando para o centro, atravessando para esquerda com a Social-Democracia até chegar no extremo esquerdo com os Estados totalitários, como o Nazismo e o Comunismo, perceberemos que há varias e várias possibilidades de arranjos sociais.Tal qual quase tudo na vida, me parece que a virtude está em locais no meio do caminho. Me preocupa a visão "8 ou 80".

O extremo direito - anarquismo ou minarquismo - me parece uma bobagem teórica. Já a extrema esquerda é uma realidade de nosso século responsável por milhões de mortos. Há essa diferença entre os extremos.

Ficou faltando na sua linha o que estaria na Direita perto do Centro, vc pulou essa parte. Nada da esquerda me agrada embora a Social-Democracia seja claramente uma opção melhor em relação ao que temos. 

Será que o próprio fato de vc não ter mencionado o que estaria na centro-direita já não mostra como estamos demasiadamente para a esquerda? Posso concordar que os extremos estão fora de questão, mas não estou seguro se o meio é a melhor opção. Eu ficaria na Direita mesmo, perto do Centro provavelmente.


c) Há problemas e problemas. Dependendo da sua natureza e do que almejamos conseguir (aqui retomo o objetivo escrito na aliena a), determinado ente é mais competente para lidar com ele. Por mais paradoxal que possa parecer, na minha visão - e parece que na visão de grande parte da humanidade, haja vista que não existe nenhuma sociedade que funcione em Estado Mínimo (talvez algumas experiencias quase laboratoriais como Hong Kong e Panamá) - o Estado é o ente mais competente em garantir que a livre concorrencia ocorra e que o mercado produza mais coisas boas (riqueza crescente, geração de empregos, inovações tecnologicas etc) do que coisas ruins (utilização desregrada de recursos finitos, piora da qualidade de vida das pessoas, crescente conflito de agente etc). O empresário e o executivo são feitos do mesmo material do líder totalitário psicopata: carbono, hidrogenio, nitrogenio, oxigenio, ambição, potencial de se corromper, de ser seduzido pelo poder e bla bla bla. Se o Estado deixar o barco correr solto sob a idéia de que a livre concorrencia ajusta as desconformidades, há o potencial de construirmos uma sociedade a lá Blade Runner ou Mad Max (ta bom, ta bom, um pouco de alarmismo aqui, mas só pra deixar o texto mais divertido...). Regulação e fiscalização competentes, eficazes e severas são necessárias para o bom funcionamento do mercado (apenas alguns exemplos de industrias que, se deixadas à base da "mao invisivel", podem destruir uma sociedade: madeireiras, petroliferas, geradoras de energia - principalmente termelétricas e nucleares, mineradoras, construtoras, bancos, farmaceuticas, empresas envolvidas no agronegócio, defensivos, biomedicina e genética - bom, you got the point)

Sem querer ser arrogante, mas acho que a humanidade ( e vc sorry) estão equivocados sobre o papel do Estado. A livre concorrência deve ser...LIVRE !! Sem coerção estatal ou com o mínimo possível. Muitos defendem que esse mínimo é a defesa da integridade humana e da propriedade. E só.

As regulações que começam com boas intenções tendem a ter consequencias indesejadas, terminando por reduzir a concorrência. Isso é o que a história mostra. Não há perfeição aqui no entanto. O livre mercado não garante a livre concorrência sempre, ele cria as condições para que o CONSUMIDOR decida o que vai comprar e não seja obrigado pelo GOVERNO a usar os Correios por exemplo.

Quanto aos cenários apocalípticos ( a diversão é boa mesmo) entramos na futurologia. Eu tendo a desconfiar de qualquer cenário extremamente negativo para a humanidade. Não faz sentido, já que as pessoas ( empresários incluídos) tendem a querer melhorar suas vidas. 

Foi assim que saímos das cavernas e chegamos num nível de desenvolvimento absurdamente alto. Foram pessoas querendo viver melhor. Eu e você vivemos com mais conforto que tinham os reis absolutistas franceses. Vivemos melhor que Julio César ! E os recursos materiais que nos permitem isso já existiam há 10,000 anos atrás. O silício é um material amplamente utilizado em computadores e abundante na Terra. Por quê não foi feito antes?

É o engenho humano que permitiu isso. É a liberdade de empreender, de criar, de cada ser humano que proporcionou isso. Não foi o Estado que criou a lâmpada, foi um HOMEM chamado Thomas Edison. 

Falando de apocalipse, a maior ameaça global até hoje foi a corrida nuclear entre EUA e URSS. Antes disso nunca houve um momento em que o mundo estivesse realmente ameaçado. Mas o problema ali seriam as armas nucleares em si ou a existência de dois ESTADOS tão grandes que tinham condições de acumular armas suficientes para destruir o mundo? E mesmo assim, apesar dos Estados, sobrevivemos.


c) Outro problema que o empresário nao tem competencia para resolver é a desigualdade de partida. Isso é um problema a ser combatido, na minha opinião, e cabe ao governo, pois é diretamente f (x) do "empoderamento".  E isso passa, além do fomento a geração de empregos tratado nas alineas anteriores, pela educação básica e pela saúde preventiva e ambulatorial. Não tenho opinião formada quanto ao como - pode ser a idéia dos cupons do Friedman, pode ser com atuação direta a lá Social-Democracia, não sei. Mas penso que é responsabilidade do Estado.

Educação básica me parece algo lógico. Embora existam discussões a respeito do modelo exato acho que a sociedade tem a ganhar com uma população basicamente educada. Saúde são outros quinhentos, acho que deveria ser privada, embora alguns países como Canadá consigam oferecer algo de qualidade razoável. Já quanto a fomento da geração de empregos, isso é papel das empresas, basta o Estado não se meter. Aqui não concordo contigo.

A desigualdade de partida sempre irá existir, as pessoas são diferentes. Além do que definir o que seria a igualdade de oportunidade me parece impossível. Novamente o foco na desigualdade não me parece o mais correto, acho melhor pensar em oferecer um patamar mínimo a todos,a educação básica vai nessa direção. Definir esse patamar também me parece muito difícil, mas considero mais possível.


d) Outra área que ao meu ver cabe ao Estado é Pesquisa e Desenvolvimento.

Não vejo porque. As maiores inovações da humanidade vieram de indivíduos e empresas. Pra que mexer no que funciona?


e) Também acho que o Estado possa promover políticas anticiclicas pontuais.

O problema das políticas pontuais é que elas tem uma mania irritante de tornarem-se permanentes. Vide as manobras anti-cíclicas da Dilmosa por aqui e do FED nos EUA.

Convivendo com crianças e vendo-as crescer comecei a pensar em uma analogia do crescimento delas com o de países. Quando uma criança está aprendendo a andar, ela cai às vezes. Quando começa a correr, os pais ( mais as mães) morrem de medo de que se machuquem. Quando escalam algum brinquedo, árvore ou muro é melhor nem olhar...

E as crianças também aprendem aos saltos. Quando começam a falar, é como se fosse do nada, não é algo gradual e suave. Muitas vezes elas ficam muito tempo no papá e mamã e de repente desatam a dizer frases completas. E não param mais no caso das minhas meninas...
Será que ao tentar suavizar os ciclos econômicos não perdemos o crescimento possível? Eu tenho medo ao ver minha filha dar um salto mortal, mas o que teria acontecido se o pai da Nadia Comaneci tivesse ficado com medo? 



f) Tudo isso, entre outros fatores, implica em manter certa estrutura estatal (além do já defendido pelos estado-minimalistas como segurança, defesa e judiciario). Alguém precisa pagar por isso, E esse alguém somos nós. 

É o tudo isso que me preocupa. Como a conta é nossa, quanto menor for melhor , certo?


g) Portanto, tomar recursos dos geradores de riqueza e aplica-los em iniciativas que visam a garantir sustentabilidade no longo prazo  e melhora na qualidade de vida é fundamental. Concordo em genero, numero e grau que o tamanho desse abocanhamento, como ele é feito (imposto sobre produção, renda ou consumo?) e a eficiencia da alocação são passiveis de interminaveis discussões. Sem estender muito o assunto e tentando ser pragmático, me parece que o modelo que mais se aproxima do que eu considero correto é o da Coréia do Sul com seus atuais 25% de tributação (bem acima dos < 10% defendidos pelos minarquistas).

Os minarquistas estão fora de questão pra mim. Nem entraria no mérito de valores no momento mas me contentaria com 25% flat para começar a conversar. Já no Brasil teremos aumento de impostos no ano que vem...



Cara, acho que é isso por ora.Te agradeço por ter lido o texto inicial e respondido substancialmente pois proporcionou que eu refletisse e me posicionasse. Gostei. 

Eu também agradeço bastante. Acho bem legal ter esse tipo de discussão, pode contar comigo. Você também me ajuda a refletir e avaliar.

Nossa discussao por email - tentando deixar melhor para acompanhar.


Separei em tópicos nossa discussão para continuar por aqui. Vou começar pelo artigo em si, e nossos comentários

Intercalei usando cores para tentar dar um ritmo de discussão. Se alguém tiver algo para acrescentar pode me mandar que eu insiro ( acho que só eu posso editar a postagem...)

O artigooriginal era do Michael Ignatieff no Estadão, sugerido pelo Oco.


Masamune ( essa foi minha 1a. resposta )

É um artigo bem longo, com vários temas entrelaçados. Acho um pouco complicado quando autores misturam muito as coisas como ele fez mas tem alguns pontos ali interessantes. 

Eu acho que a grande disputa entre Capitalismo x Comunismo se transformou numa disputa entre Liberdade x Autoritários. O comunismo como sistema econômico nunca existiu de verdade, foi uma teoria que se provou desastrosa para o bem-estar das pessoas toda vez que se tentou colocá-la em prática. E os próprios comunistas mais inteligentes sabem disso.

Eu acho que o comunismo foi na verdade a desculpa que os Autoritários usaram no século passado para dominar outras pessoas. O grande embate se dá entre pessoas que querem mandar, sedentas por Poder, e aquelas que querem ser deixadas em paz e não desejam mandar nos outros. O comunismo, socialismo, como todos os coletivismos, se prestam ao desejo dos Autoritários, visto que nesses sistemas o indivíduo é colocado abaixo do "coletivo" ou da sociedade.

O artigo destaca o caráter autoritário dos regimes russo e chinês como uma opção para muitos países da África por exemplo. E coloca os EUA como exemplo desanimador por conta dos recentes embates entre Republicanos x Democratas. Quando ele afirma que " Durante dois séculos o mecanismo constitucional dos EUA foi admirado." ele está contando uma mentira e ele mesmo se contradiz no início do artigo quando fala dos viajantes que retornavam da Russia ou Itália admirados com o espírito de comunidade presente nesses lugares.

O autor é um liberal na forma como o termo é usado nos EUA/CAN/UK. O Obama é um liberal. Os liberais do hemisfério norte são os mais autoritários. Por lá são os Conservadores que defendem a liberdade. 

Achei algumas informações nesse link que detalha um pouco de sua tentativa fracassada de se tornar Primeiro Ministro no Canadá. 

Ele é um intelectual que viveu por 30 anos na Inglaterra e voltou para o Canadá para tentar ser político. O Olavo de Carvalho já destacou bem num podcast o perigo que representam os intelectuais no Poder. É um pouco contra-intuitivo, visto que gostamos de exigir diploma universitário do Lula...mas vale a pena ouvir para entender o argumento.


Nesse mesmo podcast ele destaca o perigo de um país defender a Economia de Mercado e o Estado Mínimo sendo vizinho de um país Autoritário e de Planejamento Centralizado. Ora, um país que abra mão de sua auto-defesa, que se volte "para dentro" somente terminará sendo atacado por uma potência externa. Não estou falando aqui do que é certo, justo ou bonito. Estou simplesmente dizendo que um país rico deve ser capaz de se defender sob pena de se ver ameaçado por um pobre com canhão. É o nosso caso quando saímos nas ruas em SP. 

Não me considero em posição de julgar quais os conflitos os EUA deveriam se meter ou não. Geopolítica é um negócio bem complicado e para poucas pessoas entendidas - não sou uma delas. Não enxergo como proveitoso para os EUA se meter em conflitos que não o ameacem. No entanto o conceito de ameaça deve ser ampliado , nem sempre a ameaça está nas fronteiras - vide o 11/Set e Hitler/Japão, ambas ameaças que pareceram distantes e terminaram em território americano. Essa ampliação da esfera de influência seria objeto de eternas discussões e teria algo subjetivo, mas na minha opinião deve existir. 

As democracias Ocidentais como uma força mundial, melhor representadas pelos EUA que por qualquer outro país, devem ser defendidas por qualquer um que anseia por ser livre. O modelo de sociedade russo/chinês/islâmico não deveria ser tolerado por nenhum ocidental livre, ainda que muitos gostem de viajar pra lá e se sentir mais conectados com uma força mística do universo...

Eu acho que o autor dá voltas para no final atacar os EUA e defender um brutal aumento nos impostos. Foi na verdade nesse final que ele se entregou totalmente, mostrando sua face mais coletivista e no final autoritária. Taxar é coerção. Quando o Estado cobra impostos ele está tomando riqueza de indivíduos que a geraram. O modelo que ele defende aumenta o Poder do Estado. É mais autoritário portanto.

É difícil refutar um artigo que fala coisas com as quais concordamos. Muitas vezes o artigo vai indo por caminhos que me agradam e com idéias que concordo para no final degringolar em temas que discordo totalmente. É muito difícil se posicionar pois muitas vezes os temas são complexos e entrelaçados. 

Acho que é o caso desse artigo. Eu não gosto da postura do autor de enxergar o Estado como solucionador dos problemas ou regulador da sociedade. Estado maior significa maior concentração de Poder. E esse tipo de coisa sempre vai atrair os autoritários, que de um jeito ou de outro irão se apossar desse Poder para esmagar outras pessoas. Não adianta eliminar o Rei, tem que desmontar as estruturas de Poder que permitam que exista um Rei. Os revolucionários nunca querem isso, eles querem tomar o lugar do Rei para eles mesmos mandarem. Em geral como Imperadores...

P.S. Fora a enorme burrice econômica de achar que menos desigualdade geram crescimento...vou dar um desconto e chamar de burrice, pois parece na verdade má-fé mesmo...

Aqui eu começo a alternar para tentar dar um ritmo melhor.

Homem Oco em preto e Masamune em azul

1) Texto do Michael Ignatieff

Oco - Concordo com muita coisa da sua análise no sentido de que discordo de muita coisa do texto :)...ele navega por muitos assuntos, por vezes fica complexo - no sentido ruim da palavra - e falha na conclusão. Porém, acho que acerta em alguns pontos:

Masa - Relendo meus comentários e os seus fica claro que concordamos mais que discordamos. Vou focar nos seus pontos que ficaram mais claros que os meus para prosseguir na discussão.

 
1- Diferentemente de você, minha leitura é a de que ele defende a estrutura democrática e assinala que a existencia de regimes autoritários que demonstram relativo sucesso - como a China hoje e a Cingapura do passado recente - nao sei como andam as coisas por lá - pode nos dar a falsa impressão de que o autoritarismo é uma opção. Não me lembro se ele cita Russia ou qualquer estado islamico. Se o faz, ponto negativo pois não há nada que preste por lá (com exceção às russas...p).

1 – Posso ver desse jeito, como o autor defendendo a estrutura democrática. O meu problema é que ele defende um Estado com mais poderes do que eu gostaria, e um governo desse tipo caminha na direção do Autoritarismo. Autoritarismo que pode conviver com a democracia, por incrível que pareça. Hitler, Mussolini, Chavez e a Dilma foram eleitos e são autoritários. Sem liberdade econômica não há liberdade política. E o Estado tende sempre a suprimir a liberdade econômica, na verdade ele existe para suprimir liberdades. O que não é ruim obrigatoriamente. Viver em Sociedade pressupõe abrir mão de certas liberdades.

2 - Além do óbvio ululante de ressaltar que a questão fiscal é o maior desafio de qualquer governo, ele destaca que o destino dos gastos deve receber maior atenção do que simplesmente a relação divida x PIB. Concordo e corroboro com a sua postura quanto à analise geopolítica - tb me considero incompetente para ela - mas isso não muda o fato de que USD 1 é USD 1. Nós 4 aqui copiados sabemos que a primeira tarefa do gestor é definir prioridades. USD 1 gasto em alguma coisa (seja financiando uma campanha militar ou um sistema universal de saúde) é USD 1 não-gasto em outro lugar, ou pior, é USD 1 que poderia ficar com a sociedade em impostos não cobrados ou em dinheiro não tomado emprestado pelo governo.

2 – Concordo plenamente que o destino dos gastos é importante. Mas como vc mesmo coloca há que definir prioridades e o tamanho dos gastos vem antes. A maior parte dos países, os EUA em destaque, tem orçamentos imensos, Estados que gastam demais. Não há direcionamento que salve uma situação dessas. É como ficar discutindo onde vai gastar a verba de MKT que representa 35% da receita bruta de um produto. A conta não vai fechar...mas basicamente concordamos que há que controlar e direcionar melhor os gastos.
  
3 - Ele critica, de forma construtiva, a análise dos editorialistas da The Economist (revista que eu admiro muito). Acho o exercicio saudável. Apesar de apontar solução incorreta - no meu modo de vista - como a elevação da taxação para os mais geradores de riqueza, ele levanta falhas no bom artigo do John Micklethwait. (Só um adendo aqui: a idéia de que desigualdade afeta o crescimento do país no longo prazo não é do autor, e sim do Joseph Stiglitz, prêmio Nobel de Economia, como é deixado claro no texto. Podemos não concordar com ela mas penso que devemos ter mais cuidado ao taxa-la de burra ou fruto de mau-caratismo).

3 – Esse é o ponto mais importante e a meu ver é o objetivo maior do artigo. O suposto dilema entre Desigualdade x Crescimento. Nesse ponto ele mistura Economia com Política, o que acho um erro. Em política pode ser que ele tenha razão, nas palavras dele no final do artigo:

“As desigualdades ameaçam a igualdade política sem a qual o Estado liberal não pode funcionar”

Existe lógica nessa afirmação mas as soluções para isso são infinitas e não é minha praia. Quanto à Economia vou responder em outra postagem pois está ficando enorme meu argumento.



Valeu pelas respostas. Muito boa discussão. Acho que fui bem duro nas minhas primeiras colocações, confesso que o formato do artigo me incomoda. Mas é de um nível bem melhor que temos em terras Brazucas, valeu mesmo por compartilhar.