domingo, 19 de setembro de 2010

Falhamos miseravelmente

Estive em Brasília outro dia. A cidade é linda, arquitetura espetacular. Uma capital digna de orgulho pra qualquer um. Percebi nessa visita que o dinheiro está rolando solto na cidade, você vê isso nos hoteis, restaurantes e shoppings. O que também se pode ver é o baixíssimo nível das pessoas. Nível cultural mesmo, são pessoas sem a menor condição de dirigir o país ou de fazer parte das estruturas de poder.

Digo isso pois considero que a maior parte das pessoas que estão em Brasília gravitam ao redor do poder, do governo federal. São políticos ou lobistas, gente de sindicatos, de estatais, agências reguladoras ou sei lá o que mais existe nesse paquiderme jurássico que é o estado brasileiro.

É gente que está envolvida nos rumos do país, pro bem e pro mal. É esse grupo de pessoas que decidem hoje em dia os aspectos públicos do Brasil. As leis, regras, direcionamento de recursos e esforços. E mais que nunca tem um pessoalzinho muito ruim fazendo isso.

Por isso o título do post. Acho que a elite falho, que nós falhamos. Estou incluindo vocês, amigos que leêm o blog pois acho que fazemos parte de uma elite. Uma elite cultural, social que teve oportunidade de ser bem educado, fazer faculdade, foi exposto a idéias mais sofisticadas, teve chance de viajar pelo Brasil e pelo mundo.

Desde a queda do regime militar, de um jeito ou de outro essa elite esteve no poder. Até a eleição do Lula e a ascensão do PT à presidência, tivemos dirigentes que de uma forma ou de outra pertenciam a essa elite. Pessoas que quando confrontadas com um problema, tendiam a tomar uma decisão ao menos razoável. Eram corruptos? Sim, muitos deles, mas mesmo corruptos, quando iam tomar uma decisão tinham conhecimento suficiente para isso.

O que quero dizer é que deixamos o faxineiro sentar na cadeira de presidente da empresa. Se alguém se chocar com isso e achar que estou fazendo pouco do faxineiro, saibam que não estou. Só estou dizendo que um faxineiro que terminou o ensino fundamental tem menos chance de entender de finanças que alguém que fez faculdade. E pra liderar precisa entender de dinheiro e administração entre outras coisas.

Aí o faxineiro começa a colocar seus amigos na diretoria. A moça do café, a da recepção, o motoboy e o guarda da portaria formam o board da empresa agora. Alguns são honestos, outros não, igualzinho à diretoria anterior, mas o fato é que se os anteriores eram do time "Rouba mas faz" esses aqui na melhor das hipóteses são "Se não roubam, deixam roubar".

Pois junto com a corrupção veio a incompetência, e mesmo os honestos não se dão conta da inaptidão e desonestidade ao redor. Não tem a menor idéia do que estão fazendo, e estão tão felizes e maravilhados de se sentarem da diretoria, que mesmo que desconfiem de algo, jamais vão dizer, com medo de perder o posto. Eles não sabem como fazer, e como dizia um professor na faculdade, o jeito mais caro de aprender algo é o método por tentativa e erro, na prática. Acredito que é isso que vai acontecer no Brasil nos próximos anos.

Mesmo que esse partido perdesse agora, ou perca no futuro, a moça do café vai ter tomado gosto pelo poder. Não vai querer sair. Estruturas de poder montadas ao longo de anos não se desmontam de imediato simplesmente pela subida de outro ao poder. São gradativamente substituídas e alteradas pelas forças novas que se impõem. E acho que será assim.

Há algo que aconteceu com o povo brasileiro com a subida do molusco que é algo positivo. É um resgate da auto-estima do zé ninguém, que ao ver alguém como ele na presidência pensa - "Eu também posso ! Também tenho chance de ser alguém.". Isso é algo que não exisitia, pois os governantes brasileiros sempre vieram da elite, de um jeito ou de outro, e o povo portanto se via alijado do processo, não via que ele mesmo poderia se tornar um dirigente. Uma espécie de regime de castas talvez?

Tenho viajado muito pelo Brasil, e as pessoas estão buscando crescer. Querem ganhar mais, estudar, viajar, consumir. Negócios são abertos, pessoas contratadas, tudo anda em um ritmo diferente. O mérito estrutural é do FHC mas foi a subida de um "popular" ao poder que deu mais impulso ao mostrar que é isso possível. Seria uma versão tupiniquim do "sonho americano", o nascimento do "sonho brasileiro"?

Verdade que nesse momento o "sonho brasileiro" é arrumar uma boquinha em uma estatal, orgão do governo ou fazer uma maracutaia pra se dar bem e poder consumir. Mas será que podemos condenar o desejo de consumo dessas pessoas que realmente nunca puderam consumir tanto? Ou nós como elites que já consumimos poderíamos ajudar a ponderar os benefícios e riscos de montar sua vida baseadas no consumo como fim em si mesmo?

Com a eleiçao do barbudo, as elites perderam definitivamente o contato com o povo, e isso se provou nessa eleição, onde apesar das inúmeras denúncias, abusos de poder, o PT vai sair vencedor. Nós somos parte da elite que perdeu contato com o povo. O porteiro do nosso prédio hoje não vai acreditar na gente se dermos algum conselho pra ele. O seu funcionário acha que você está querendo enganá-lo quando você diz a ele que não pode dar o aumento agora, mas assim que a empresa crescer que estiver junto cresce junto.

Antes ele acreditava no que você dissesse porque você era "o patrão". Hoje ele está convencido que nem sempre o patrão está certo - o que é bom - mas não tem a puta da idéia do que é o certo. Ele vai pedir as contas para ir trabalhar no vizinho por 100 reais a mais e não vai entender a cagada que fez até ser demitido daqui a 6 meses. E mesmo então, pode arrumar outro emprego e não perceber do que você estava falando lá atrás. Ele vai ter que aprender na prática, o que é mais caro e mais doloroso.

Porque esse é um processo. Você tem que falar e viver a realidade que fala. De 100 pessoas para quem você falar da importância de comprar à vista pra escapar dos juros, somente 5 vão escutar, e uma vai entender. E talvez essa única pessoa não mude de atitude, pois é um conceito abstrato e difícil de implementar. É trocar seu prazer de momento por uma promessa no futuro.

Isso se aplica à liberdade de expressão, direitos civis e valores democráticos. É tudo muito abstrato e focado em médio ou longo praso. São valores das elites, que já tiveram suas necessidades básicas atendidas, e sofisticaram-se exigindo mais dos seus governantes, não aceitando que seus pares que os governam tirem deles esses direitos. Como pedir a alguém que está podendo comprar uma TV tela plana pela primeira vez que preste atenção nisso? Ele quer assistir o jogo do Curintia em HD porra !!!! ( desculpa aí Oco...hehe).

Portanto, acho que viveremos uma época de mudanças lentas e graduais, que estou seguro nos levam para um futuro melhor ( sou um otimista incorrigível...) mas sabe-se lá quando. O que estou ainda mais seguro é que temos um papel a desempenhar nisso.

Nada de passeatas ou correntes de e-mail. É sim se dedicar ao trabalho excruciante, cansativo, chato e repetitivo de defender os valores que acreditamos e viver esses valores . Mostrar através do exemplo que as coisas podem ser melhores e sempre que tivermos chance dividir esse conhecimento com outros. Sim, pois aqui nesse nosso espacinho elitizado, que é um microcosmo de onde normalmente vivemos e discutimos nossas idéias nos sentimos entre pares. Mas no mundo real lá fora somos a elite. Somos nós que deveríamos dar o exemplo, mostrar os caminhos. E falhamos miseravelmente.

Dou um exemplo bobo. Outro dia fui engraxar o sapato em Congonhas, tinha eu e outro cliente, um Sr de uns 50-60 anos que estava já falando com meia dúzia de engraxates quando eu cheguei. Engraçado que pela posição que ficamos, os dois no alto das cadeiras e os engraxates sentados em banquetas no chão, já ficava estabelecida uma certa relação de poder. Além é claro do fato de que eu tinha o dinheiro e o rapaz estava cuidando dos meus pés. em troca do dinheiro Não sou eu que crio essas relações, elas existem e é bom entender isso.

Bem, voltando aos fatos. O espaço é uma pequena sala de teto baixo escondida num corredor lateral do aeroporto, e nesse lugar já estava esse Sr. falando e os engraxates escutando. Assim que me sentei, ele passou a dirigir a sua fala para mim, pois imagino que ele me via como seu par. Ignorei um pouco, mas não pude deixar de comentar algo após alguns minutos. Ele falava de casos em que no passado o homem traído matava o amante e a mulher e era perdoado. Isso estava na lei, e eu adicionei à fala dele dizendo que era "em legítima defesa da honra".

Passamos a conversar com a atenção dos 6 engraxates que estavam aí e riam dos casos escabrosos de traição - incrível como nego gosta de uma bagunça...Eu comentei que essa lei estava válida até 1988, quando na nova constituição isso foi revogado. Comentei também que o PT votou contra a constituição de 88 e daí começamos a falar da Dilma. O Sr. se declarou contra ela, embora eu já esteja vacinado que muita gente vota nela mas não assume. Sem entrar nesse mérito, falei um pouco sobre os riscos de alguém como ela ser presidente e de como era mentira que o governo Lula fez tudo pelos pobres. Não lembro do que eu disse exatamente, mas tentei ser o mais simples e direto possível ( sim , eu consigo falar de maneira mais simples...).

Saí dali com a nítida impressão de que haviam me escutado. Se vão esquecer em seguida eu não sei, não tenho como controlar o que os outros fazem, somente posso mudar o meu jeito de ser. Naquele ambiente, eu o outro Sr. éramos a elite, e a maneira como os engraxates riam do que o Sr. dizia sem retrucar evidenciava que eles prestavam atenção ao que era dito. Passou-se o mesmo quando eu comecei a falar, o que também mostra que eles não estavam entendendo direito, apesar de prestar atenção. Pois quem entende retruca e discute, o que não era o caso.

Meu ponto é que temos o que oferecer. Eu poderia ali ter ficado falando de como o Dado Dolabella hoje poderia ser absolvido caso provasse que a Luana Piovani o havia traído... aliás, essa Luana Piovani é uma anta, mas como é gostosa!. Poderia ter ficado em "Modo Caras" e não em "Modo chato que conhece história". Ingenuamente ou não, acho que como elite temos que dar o exemplo. Como pai eu dou exemplo. Eu me tornei e busco me tornar cada vez mais uma pessoa melhor para que minhas filhas tenham um bom exemplo, é o mesmo com as demais pessoas, na medida do possível tento passar para outros coisas que já aprendi. Sou chato às vezes? Mais provável que seja chato muitas vezes. Mas não ligo, não estou em concurso de popularidade.

E vocês meus amigos, comentem, discutam. Essa é nossa mesa de bar virtual lembram? Se coloquem, se exponham, discordem. A vida não é feita somente de trabalhar e ganhar grana pra comprar TV de HD, pois se não cuidarmos, um belo dia tudo que vai ter pra assistir nessa TV será pronunciamento oficial da Dilma, e ela deve ser feia pacas em HD... E aí não adianta reclamar...

Um comentário:

Homem Oco disse...

fala meu brother! legal, curti o post apesar de discordar de diversos pontos.

Como vc mesmo diz, essa é a nossa mesa de bar virtual, entao seu post merece um outro texto "construindo em cima"..hehe

assim que sobrar um tempo, escrevo

valw